sexta-feira, 25 de março de 2011

Maturidade que flui

Foto: Beco Bresler

Aqui na cama assistindo TV, tranquilamente. Canal de propaganda. Imóveis. Opções interessantes. Vou prestar atenção.

Área de lazer, piscina "adulta"...
Pronto. Vou encrespar.
Queria piscina adolescente. Uma com 15 anos, talvez. Só tem adulta.

Estou me revirando aqui sozinho. Piscina adulta. Ai, ai,ai. Será que ela tem maturidade mesmo? Será que sabe se portar à mesa? Já é crescidinha?

Uma piscina adulta deve ser formada em alguma coisa. Ter profissão.

Posso checar seu currículo, quando conhecer o local?

Isso que é licença poética. Também peço licença. Pra trocar de canal.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Um caso de amor entre as cordas





As cordas vibraram. O mundo parou.

Um aroma. Ouvidos embriagados. O instrumento emocionado.

O mundo girava, parava. Girou novamente.

Estava reinventado o amor, hoje em notas. A dança das cordas.

Nunca mais seria o mesmo, este amor, depois daquela melodia tocar.

Tão curto, o arranjo dizia direto ao que vinha.

O dia nascia mais belo e o mundo seria mais novo.

E o tom agudo das cordas, tão graves, num apelo tão puro, sincero, nunca mais iria calar.



terça-feira, 22 de março de 2011

O antes e o depois



“Não aceitamos reclamações posteriores.”

Ah, entendi: só anteriores? Antes mesmo de vocês fazerem a besteira, somente, então?
Vamos ver... Vou chutar que não vão entregar a quantidade certa, só para garantir.

Ou que vocês vão me atender mal? Cobrar a mais?
Já sei, o produto é falsificado!

Reclamações posteriores. Sei, sei.

Não vou deixar para depois, então. Obrigado por avisar antes.

Não terei do que reclamar.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Meu pai Arnaldo - duas visões distintas.

Aeroporto de Frankfurt
Pelo que disse pode parecer que não sei nada dele.


Minha visão:

Ele vivia trabalhando. Viajando também. Desde criança ouvia falar no aeroporto de Frankfurt. Chegava muito presente, naquelas malas que ele abria na sala, voltando de viagem.
Era uma festa.
Ele chegava disfarçado, no avião, toda vez. Cada hora era uma coisa: beduíno com turbante e óculos escuros, cavanhaque com aquele narigão dele. Ele era engraçado. Ficávamos tentando resolver a charada. Quem será ele desta vez?

Chegava todo dia as sete em ponto do trabalho. Queria ver a família, dizia. Trazia gibis, com o carimbo “Cortesia do editor” que ganhava da editora Abril. Na porta, eu gritava pra ele saindo do carro: “-Pai, tem gibi?”
Foi ele que me contou, em primeira mão, que seria lançada uma revista exclusiva do Cebolinha, do Maurício de Souza.

Ao mesmo tempo era rígido. Nossa. Como era.

Um dia sentou-se à mesa e disse:

-Quem de vocês jogou um sabonete dentro do vaso sanitário?, muito bravo.

-Pedrinho, foi você?
-Não, pai.

-Joãozinho? Você?
-Não, pai, não fui eu não.

-Arnaldinho... foi você?
-Desculpe, não posso falar sobre isso agora. Estou na mesa.

Ele disfarçou a risada. Peguei ele, notou.

Desta vez eu tinha escapado.



Visão da Prefeitura de São Paulo:


BIOGRAFIA DO PATRONO PROF. ARNALDO MAGALHÃES GIÁCOMO


Patrono
Arnaldo Magalhães de Giácomo
nasceu em 26 de janeiro de 1928 em Ribeirão Preto, SP. Mudou-se para São Paulo onde se formou em Filosofia. Foi professor de Língua Portuguesa e História do Brasil e também contribuía com textos para jornais locais.

Ingressou na Editora Melhoramentos, que, por sua iniciativa, começou a editar livros para o público jovem. Iniciou sua carreira literária em 1952 com a publicação de Eulália neutra, e recebeu o prêmio Jabuti por sua obra Villa-Lobos: a alma sonora do Brasil, considerada a mais importante do escritor.
Faleceu em 20 de maio de 1977, em São Paulo. Postumamente foi consagrado membro da Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil, sendo representado por sua esposa, a escritora de literatura infantil e poeta, Maria Thereza Cunha de Giácomo.
Algumas Obras: Eulália neutra, Villa-Lobos: alma sonora do Brasil, Uma política integrada do livro (projeto).


logo SMB
Arnaldo Giacomo

quinta-feira, 17 de março de 2011

Meu pai Arnaldo

  


  


Um sonho impossível.

Na estrada para Valinhos, naquele Dodge Dart vermelho, de capota preta, que ele comprou do José Mauro de Vasconcelos, aquele do Pé de laranja Lima, seu amigo. Trocando marcha, aquela ainda no volante, com apenas 3 opções de velocidade. A volta era sempre às 5 da tarde de domingo. Aquele pôr do sol: 

"-João, pega a máquina! Vamos fotografar!"

Eu, que já estava dormindo no meio do banco (as janelas eram deles, do João e do Pedro, mais velhos), naquele carrão de banco de couro com o antigo "cartucho" tocando estas e muitas outras músicas - de ópera a Frank Sinatra, Edith Piaf...Mozart e tudo mais de bom que existe neste mundo da música erudita - acordava com um só olho, que via aquele sol vermelho, brilhando ainda.

Aquela paisagem cheia de eucaliptos, num clima frio e seco, na estrada de terra. Como aquilo era lindo.
Aquele sítio do meu tio Mingutinha (Domingos, nome de meu avô) combinava com o clima épico de cavaleiros espanhóis mesmo.

Tinha andado a cavalo dois dias seguidos, como em todos os fins de semana. Minha égua Babieca - nome do cavalo de El Cid, um herói espanhol, cuja fama fez muita gente tremer nas batalhas. Mesmo depois de morto foi amarrado à sela, para amedrontar o inimigo e assim aconteceu mesmo.  Diz a lenda que ele ainda cavalga, até hoje.

Babieca. Ela vivia me enganando. Eu sempre caía dela. Caímos juntos, até. Seis pontos no queixo, de recordação.

Ele era sisudo. Gozador ao mesmo tempo. Partiu cedo. Eu tinha 14 anos. Ele 49. Quase minha idade hoje.

Em seu funeral tinha muita gente. Muita gente mesmo.

Conheci meu pai por intermédio das pessoas que o conheceram.

E até hoje me impressiono.



No carro, ele acompanhava cantando esta música, com esta mesma gravação, e sua voz era igual à de Don Quixote:

To dream the impossible dream
To fight the unbeatable foe
To bear with unbearable sorrow
To run where the brave dare not go
To right the unrightable wrong
To love pure and chaste from afar
To try when your arms are too weary
To reach the unreachable star

This is my quest
To follow that star
No matter how hopeless
No matter how far

To fight for the right
Without question or pause
To be willing to march into Hell
For a heavenly cause

And I know if I'll only be true
To this glorious quest
That my heart will lie peaceful and calm
When I'm laid to my rest

And the world will be better for this
That one man, scorned and covered with scars
Still strove with his last ounce of courage
To reach the unreachable star


Reconheci seu caráter nela.

E fico tentando seguí-lo, sempre procurando pistas.



                                                             El Cid e Babieca

O maior de todos os heróis da era cristã foi conhecido como Ruy (ou Rodrigo) Dias. Ele foi o líder da Reconquista, o movimento que deu fim aos 700 anos de ocupação moura na Península Ibérica.

Ruy Dias era conhecido como El Cid. Nasceu em Vivar perto de Burgos em Castilha na Espanha, em torno de 1040 d.C.. De um valente soldado profissional ele passou a ser considerado o herói que salvou seu país. Seu feitos são descritos em poemas como o Poema del Cid e mais tarde Cronica Particular del Cid (1512), o qual descreve a história do homem e de seu fiel cavalo branco, Babieca, o qual o acompanhou em combate durante 30 anos.

O cavalo foi presente de seu padrinho, o padre Peyre Pringos. Peyre Pringos tinha condições de oferecer ao seu jovem afilhado os melhores cavalos da região, pois antigamente as casas religiosas espanholas criavam belíssimos animais. Porém o jovem escolheu um cavalo imaturo e considerado sem um grande futuro. Isto levou o padre a exclamar: "Babieca", o que significa Estúpido!, nome o qual o cavalo passou a ser conhecido.
Babieca era considerado um cavalo de guerra ideal. Era o que hoje é considerado um cavalo da raça Andaluz. Tinha um um bom peso para a raça. porém não media mais do que 1,52m. Ele respondia prontamente aos comandos de seu seu dono, era ágil e muito corajoso.

El Cid morreu em combate em 1099 em Valência. Sabendo que isto iria baixar a moral de suas tropas e encorajar o inimigo a avançar, ele deu sua última ordem. Em obediência a esta ordem, seu corpo foi amarrado à sela de Babieca, seu escudo colocado na devida posição e sua espada foi apontada para cima em sua mão sem vida. A meia noite em ponto El Cid, morto, conduziu seus homens ao campo dos mouros. Os cavaleiros estavam vestidos de branco e carregavam banners brancos. Diz a lenda que o rosto de El Cid apareceu pelo visor de seu capacete e se iluminou de uma maneira jamais vista.

A visão fantasmagórica em cima de um cavalo totalmente branco, galopando em silêncio em direção aos mouros, causou pâncico entre os mouros que gritavam que El Cid tinha resucitado dos mortos! Os espanhóis os derrotaram facilmente.

El Cid foi enterrado no Monastério de San Pedro Cardena, perto de Burgos, porém seu corpo foi removido para a Catedral de Burgos. Babieca nunca mais foi montado e morreu dois anos depois, quando tinha 40 anos.

terça-feira, 15 de março de 2011

Minha mãe Therezinha

Foto: Beco Bresler

Stravinsky, Prokofiev, Bela Bartok, Bach, Mozart, Tchaikovsky, Beethoven.
Nietzsche, Proust, Camões, Euclides da Cunha, Hermann Melville, Galileu, Platão, Cyrano de Bergerac.
Negrinho do Pastoreio, Alice no país das maravilhas, A lenda da Iara.

Muito prazer, Therezinha.

Um metro e meio, voz fininha, mãos pequenas e trêmulas de tanto café com as vizinhas. Já falava e ia na Daslu, lá no bairro, Vila Nova Conceição.

Ia ao Misuki, casa japonesa lá perto, se cuidar. Massagem, banho de algas e tudo mais que meu pai pudesse ou não pudesse pagar. Tocava Chopin no piano e a casa se enchia de notas musicais.

Num Itamaraty prateado, distraída, buzinando pra buraco, seguindo guincho e cachorro. Uma vez a tia Rosa saiu do carro, mas ela continuou conversando. A Rosa no outro, vendo-a gesticular, não entendia nada.

Desenhista, pintora inclusive.
Projetou as casas de Maranduba, que a tia Sônia também construiu.

Escritora, poetisa.

Era uma “Therezinha Da Vinci”.

Depois do falecimento de meu pai só ouvia Jacques Brel, Ne me quitte pas.

Minha mãe. Esta era minha mãe.

Agora ela ainda é. Está aqui.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Minha tia Rosa


Um pouco de Erva Doce.

Tanto matutando para saber de onde vem aquele sabor da minha família e a tia Rosa sabia.

1980. Sal, açúcar & companhia. Uma rotisseria da tia Sônia. A Rosa também estava lá. Na Manoel da Nóbrega, em frente ao Exército.

Saía carne, saía massa, saía molho. Saía doce. Na vitrine as coxinhas que eu, que ficava no balcão, comprava. Todas. Confesso que me esquecia de anotar todas elas, é verdade. Comia com gosto, funcionário-cliente exemplar.

Sua alma era a Rosa, esta minha tia.

Eu ficava atrás dela, “tia, como faz isso? como faz aquilo?” Sábia Rosa, esposa de meu padrinho, irmã de meu pai, que assumiu o cargo de “padrinha”, esta tia deliciosa, a tia Rosa.

Voltando ao ponto, eu queria entender: tia, de onde vem este sabor do molho de tomate, que faz tudo mudar, faz a vida ter sentido?

- Erva Doce, Naldo, a culpa é da Erva Doce.

Quem diria.

Por esta e por outras, a tia Rosa, dona dos melhores segredos, é a heroína do dia.


segunda-feira, 7 de março de 2011

Como é bom


É engraçado como as coisas podem acontecer com a gente. Pode com todo mundo, é verdade. Mas a gente pensa que com a gente é diferente.

Daí escuta clichês sobre viver intensamente, se permitir fazer coisas, etc., e pensa: isso aí comigo não rola, eu faço tudo que quero.

Pois é.

Fui redator publicitário durante muitos anos. Sempre buscando clientes para contratarem meu serviço. Dependia deles para criar textos. De briefings, produtos, campanhas, clientes, enfim.

Eram eles, que de certa forma, “permitiam” que eu escrevesse. Eram eles que “aprovavam” o que eu escrevia.

De certa forma eu procurava por toda parte alguém que me permitisse escrever.

Durante 47 anos, 11 meses e 29 dias.

Um dia antes de meu 48º aniversário comecei a escrever crônicas. Sem clientes, produtos, campanhas, nada.

Foi o dia em que realizei, admiti, que, na verdade, eu sou um escritor. Que muitas vezes o problema estava em quem “aprova”, ou na falta deles, e não comigo.

Que eu poderia me permitir, a mim mesmo, escrever. Eu mesmo aprovar ou não o que escrevo, e, o mais importante, que a primeira pessoa para quem escrevo é a minha. A minha pessoa.

E que isso acabe sendo um conselho, uma inspiração, em forma de atitude, escrever.

O importante é fazer.